Por Carlos Eduardo Comas
Obra cujo projeto foi aprovado no mesmo ano do concurso do Plano Piloto de Brasilia, e concluída quando a nova capital se consolidava, a sede do Jockey Club Brasileiro (1956-72) é um curioso contraponto ao Ministério da Educação assinado pelo mesmo autor (e equipe) a duas quadras e uns quinze anos antes (1936-45). Tanto o Ministério quanto o Jockey ocupam toda uma quadra na mesma Esplanada do Castelo. Mas o Ministério abriga uma instituição pública, e constitui uma exceção à legislação dominante, que impõe o quarteirão fechado, construído no perímetro com um ou dois pátio centrais. Com um partido em T, o Ministério resulta num quarteirão quase aberto, singular e por isso mesmo memorável, monumental. Abrigo de instituição privada e necessitada de renda, o Jockey é uma variante do quarteirão fechado padrão, com o pátio central ocupado por uma garagem em altura para 785 carros.
A intervenção é unitária nos dois casos, mas o Jockey aparece como um volume multifacetado, integrado por edifícios justapostos ou imbricados, em correspondência com os diferentes elementos do programa. Aproveitando a melhor vista, o clube se levanta vertical na testada leste, em bloco administrativo ligeiramente recuado a norte e sul; as instalações recreativas se espraiam sobre a garagem e os tetos-terraço das alas de escritórios para aluguel nas demais testadas. No bloco administrativo se superpõem ao vestíbulo térreo os escritórios do clube, os salões de honra e restaurantes. Na superestrutura recreativa se incluem salões de festa, quadras esportivas, cinema, pátios, piscina e terraços ajardinados. Em função dos recuos do bloco administrativo e da superestrutura recreativa, as alas de escritórios a norte e sul constituem blocos protuberantes sobre um pavimento térreo compreendendo uma sucessão de lojas e sobrelojas ao longo de galerias abertas sobre os passeios; a ala a oeste fica aprumada com o térreo, perfurado no centro por larga escadaria que leva ao salão de apostas no subsolo e é ladeada pelas entradas da garagem.
A primazia da sede na composição se acentua pelo alinhamento do bloco administrativo com o logradouro limítrofe de maior caixa, e pela localização da entrada principal nesse alinhamento. A consideração judiciosa da situação se confirma com a localização no logradouro limítrofe oposto, de menor caixa, das entradas da garagem e dos dois núcleos de elevadores servindo os escritórios. No térreo de pé-direito duplo do bloco administrativo, o recuo das portas de entrada expõe o balanço da laje acima e a colunata recuada de secção octogonal alongada; os elevadores de público ocupam o extremo sul da parede do fundo, e os elevadores de pessoal e serviço o extremo norte. As galerias protegem o acesso das lojas, cuja sucessão é interrompida a oeste pelas entradas e vestíbulos dos blocos de escritórios acima, subdivisíveis em 363 conjuntos.
O virtuosismo em planta e secção impressionam, orquestrando uma profusão de espaços de alturas diferentes com uma estrutura híbrida, de aço na garagem e concreto armado nos demais blocos. Os pés-direitos do andar-tipo do bloco administrativo são diferentes daqueles do andar-tipo das alas de escritórios ou da garagem. O jogo entre intimidade e expansividade é máximo nos espaços sociais e recreativos da sede, com abundância de mezaninos e escadas vistosas. Geometria e materialidade concorrem para a expressão externa do interior mais variado que o do Ministério da Educação, e oposta à homogeneidade dos blocos de ministérios genéricos e repetitivos em Brasília.
A assimetria na natureza das circulações verticais anima a fachada leste, assim como o destaque dos salões de honra por grandes janelões de sabor tradicional, criando faixa entre as paredes cortina dos espaços administrativos abaixo e dos restaurantes acima. As alas de escritórios ganham fachadas espessas, com parapeitos opacos e janelas em fita de planta endentada, onde se separam painéis frontais fixos para iluminação e painéis móveis transversais para ventilação. O preto domina nos vidros e caixilhos de alumínio anodizado das esquadrias como nos parapeitos de granito das alas de escritórios, mas contrastado com boa dose de mármore branco nos topos de lajes e nos panos de parede cegos. O controle da gradação significativa das fachadas em correspondência com sua maior ou menor singularidade é magistral, quer tomado em si mesmo, quer em relação com os exemplos do Ministério vizinho carioca e dos ministérios distantes brasilienses. A lição, relativamente pouco conhecida e apreciada, transcende as particularidades do caso para ressaltar a diversidade de soluções arquitetônicas e urbanísticas que a tradição moderna admite.
Fonte das imagens:
Lucio Costa, Lucio Costa: registro de uma vivencia, Empresa das Artes, São Paulo, 1995.
Guilherme Wisnik, Lucio Costa, Cosac & Naify, São Paulo, 2001.
- Ano: 1956
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Fotografias:Eduardo Costa, Nelson Kon, Via Costa, 1995, Casa de Lucio Costa